terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Sobrevivendo ao Natal

Desenvolvi, nos natais passados, o hábito solitário de deixar a agitação natalina de lado para realizar uma breve reflexão. Caminhando em frente a casa, sentindo a leve brisa de dezembro, refletindo sobre o significado do natal.

Sempre me senti vazio no Natal. Em qualquer lugar as felizes músicas natalinas são reproduzidas sem parar e, chega a ser estranho, até as pessoas são mais amáveis uma com as outras, enquanto eu sempre continuava amargo.

Os natais em família tornaram-se diferentes daqueles de minha infância ao início da adolescência. Os presentes fartos e a família inteira bagunçando a casa acabaram-se faz tempo. A família se transformou, casaram-se, dando origem a outros natais. Natais mais distantes.

Faz tempo que o natal não é mais meu natal, e sim uma celebração emprestada por alguma parte da família, um convite para conviver com parentes não tão próximos por uma noite. Foi nessa época que deixei as celebrações de lado para refletir sobre o ano que passou.

Essas reflexões justificam meu deslocamento, passando o natal em diversos lugares que não meu lar, sentindo falta do meu natal. Daquele que meu tio ainda casado chegava com meus três primos pequenos correndo pela casa. Do dinheiro farto suficiente para comprarmos presentes para os queridos.

Hoje meu natal não possui nem o menino Jesus nem árvore de natal. Os enfeites eram costumes de minha vó, que não está mais entre nós. Meu lar permaneceu igual como um dia qualquer.

E assim deixei meu medo de lado para realizar um desejo antigo: esqueci o natal. Passei a véspera assistindo filmes, tendo a melhor ceia de minha vida, meus pratos cotidianos, arroz, feijão e, por gulodice natalina, uma pequena pizza.

O natal perdeu muito de seu significado; deixou de ser fecho, para ser uma data apenas. Esquecer o natal não mudou aspectos de minha vida, mas foi uma sensação nova e diferente. Não houve a reflexão sobre o vazio, o deslocamento, porque dessa vez estive em casa, em paz comigo, não vazio.

Após vinte e um natais religiosamente cumpridos na mesa de jantar, Jesus há de me perdoar pela minha ausência, por preferir ficar em casa do que esboçar sorrisos, procurar integração, fingindo ser aquilo que não sou.

A parte disso, bebamos vinho e comamos pão.


Bauru, Terça - Feira, 25 de Dezembro de 2007.

Início Redundante

Não me lembro quantas vezes já escrevi sobre o começo. A idéia do novo para compor, a metáfora de um caderno em branco a espera de um escritor para preenchê-lo. Apenas sei que de tantas vezes que o fiz, estou cansado. Não só dessa metáfora boba, mas cansado como um todo.

Escolher o natal para reabrir esse espaço não foi aleatório. O natal possui o fecho do ano, após ele temos apenas uma semana de contagem regressiva para o ano seguinte. Uma semana para os mais bobos fazerem listas de resoluções.

Eu queria escrever algumas palavras sobre o natal, mas antes quis deixar um marco. Sem a idéia metafórica do novo, longe disso. Apenas um marco didático para apontar que aqui, nessa data, foi quando fiz desse espaço minha oficina.

Tenho, nesse ano que passou, muito que refletir e concluir. E muito desse impacto se converteu na minha prosa que, embora seja patético partir de mim uma definição, está mais concisa, sem o viés romântico de outrora.

Produzir por quase um ano um inédito por semana deixou-me cansado. Até mesmo de produzir palavras, refletir sobre idéias, esboçando contos. Sinto apenas a vontade natural de escrever sem a necessidade de produzir reviravoltas ou frases de efeito. Porém, isso traz a tona uma idéia assustadora: a exposição de meus pensamentos, sem personagens ou eu - líricos.

Às vezes, ao ler minha produção literária, tenho a impressão de que tudo que fiz até hoje não passou de uma idéia abstrata. Um conceito vago que imagino ser literatura sem fazê-la de fato. Apenas tecendo palavras sem saber contar histórias.

Talvez seja o cansaço do ano velho que chega até meus ombros ou a afirmação de que estou farto até mesmo de poesia.

Aqui, por apenas uma idéia didática, abro minha oficina. Marcando os contos, poemas, crônicas, e guardando-as em suas devidas pastas, para não confundir os eventuais leitores.

Mas saibam desde o início que estou cansado. Nada mais.


Bauru, Terça - Feira, 25 de Dezembro de 2007.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Fazer rir e viver-se

Eu já disse, em outras frases confessionais, o quanto não gosto da plenitude humana. Nossa não-lineariedade, repleta de números, me incomoda por refletir ao mesmo tempo muitas sensações. Diversas reações exteriores atenuando-se no corpo, e diversas sinapses disparando pensamentos e imagens.

Meu plano inicial era escrever sobre o riso, mas logo me vi em outros parágrafos. Saí da comédia e do escárnio, para uma reflexão mais tola.

Por hora, me mantenho na idéia primária, para depois tecer as reflexões maiores. Ou ainda, se preferirem, explicar uma tese metafórica e aplicá-la em minha explicação.

Rir não é nada fácil. Ver um amigo se estrupicar no chão e isso render gargalhadas, é normal. Mas quando há um significado por trás da comédia, encontramos diferenças claras. Criar o riso pelas palavras, mãos ou ainda o corpo todo é uma arte tão dificil, se não mais, do que a literatura chamada de convencional.

Primeiro porque, e talvez o óbvio, a comédia precisa de background. Com excessão de certas piadas mudas e gestuais, ou uma ou outra de grande entendimento universal, a comédia precisa de um contexto para se basear e dele fazer rir.

Só rimos porque o risível da situação é tão impossível, patético, ou exagerado que nos dá essa explosão deliciosa e incontrolável que é o riso.

Tenho um dos risos mais escandalosos que já vi, agudo, forte, e que, normalmente, é o primeiro a invadir o ambiente e o último a cessar. Há uma amiga que possui um desses risos efusivos. E a sensação é tão agrádavel, que sinto, como um bufão, uma imensa vontade de sempre fazê-la rir pela resposta prazeirosa de seu riso.

É cabível compreender a tradicional idéia do palhaço triste que alegra o público. Porque, se posso lhes confessar, fazer comédia não é nada fácil.

Em um grupo de amigos, ou na doce conquista de alguém do sexo oposto, é uma cena comum dar risadas, o improviso se torna engraçado. Mas quando a arte é o riso, ai, leitores, o tempo fecha e as regras mudam.

A qualidade se eleva, há um requinte de responsabilidades. Um apuro maior quando se produz o riso para o público consumir em teatro lotado. Pois, nessa criação não há apenas improviso imediato. É necessário talhar a piada, como um artesão, um pescador que joga a isca em uma lagoa a procura de peixes, e se, jogada no lugar certo, consegue pesca-los. E nada é pior ao pescador que voltar de mãos vazias, assim como o silêncio para um comediante.

A parte disso, traço um paralelo com a frase que abordei inicialmente o conceito do riso. Sei que o correto seria cessar esse texto e em outra folha em branco escrever a respeito. Mas, por certo instinto, acho inadequado dividir a linha dessa criação.

Optei por mostrar suas ramificações, assim como surgiram em minhas idéias: a arte de rir se contrapondo com a arte, se é que existe tal definição, de viver.

Viver, amigo, não é fácil. Parte de mim, para não dizer o todo, quer negar a afirmação e dizer que ela deveria ser. Mas o futuro do pretérito é conhecido como o tempo da condição. Daquilo que deveria ser feito, mas não foi. Certezas concretas no Se" são névoa, menos realidade.

O requinte necessário para fazer rir é o mesmo de viver. É necessário ter a consciência de saber até onde é o alcance de uma piada. Ter certeza sem saber ao certo.

Se recebessemos ao nascer um breve manual, simples e sucinto de como viver bem, eu sugeriria a idéia socrática como frase de abertura. Aquela que perdeu seu significado, virando estampa de camisa e adesivos de carros por puro pseudo-intelectualismo: conheça a ti mesmo.

Soa como bobagem, de certo. A repetição contínua de um verso entoado por gregos até os tempos de hoje. Mas, se me permitem, bobabem é não segui-lo.

Nada é tão sincero do que se auto conhecer. Nos poupa o desprazer futuro, evita dívidas que seguimos por não saber as respostas. Se auto compreender, mente, coração e corpo é tão necessário quanto difuso.

Um homem sabe todo mal que faz, reconhece as sementes ruins que pode plantar. Afirmar isso a si mesmo escondido todas as noites, ou em um dia de inverno na frente de um espelho é senso comum a qualquer um. Porém, assumir até mesmo sua maldade, o lado vil - no sentido de vilesa como no poema de Pessoa - é incômodo.

Ninguém quer se incomodar com a própria natureza. A ausência do auto conhecimento é adequada e perfeita a uma sociedade onde o compre, fale, beba diz mais alto do que "Por quê preciso comprar, falar ou beber"?

Se as pessoas ao ligar a tevê se espantam com nossa violência, encontram a paz novamente ao desligá-la. Mas como fechar as portas de si mesmo? Assumir os vícios, exercer seu papel ruim, ou depô-lo por mudanças.

Tenho o hábito de dizer que se auto conhecer começa em desejos simples como uma bola de sorvete em um dia de verão. Penso que se você não é capaz de dizer em segundos seu sorvete preferido, não perca tempo procurando um sentido vão para sua existência.

O conhecimento parte de pequenas partículas, que juntas elucidam um quebra-cabeça maior. Sidarta não atingiu o nirvana por acaso. Foi preciso um trabalho físico e mental para buscar sua iluminação.

Dizem que o primeiro passo é aceitarmos nossos defeitos. E sim, sou errático, errante, ridiculamente provisório, e sempre impassível. Mas dentro de meu limite, procurei aos pouco me aceitar e me conhecer. Fui do princípio da bola de sorvete para questões maiores.

Eu vejo pessoas dizendo palavras que não lhe são adequadas, sentimentos que não correspondem e quando perguntamos o por quê de certas respostas ou atitudes, ouvimos "não sei" como resposta.

O auto engano é fácil em uma mente viciada pelo estresse diário, televisão e jornal cotidiano. O confronto de se auto perguntar causando rupturas é sempre desigual.

Tudo aquilo que causa ruptura é condicionado a virar esquecimento. O desconforto da ausência de saber nós mesmo é tamanho, que as respostas são ignoradas dia a dia. É o simples viver dizendo "é a vida" sem se perguntar "não sou eu"?

Deixem as palavras de jornais, a coluna social, as notas de falecimento, os outdoors de modelos semi nuas, os poemas que não fedem nem cheiram, o papai noel da coca-cola, sua cocaína e conceda um tempo a você para as milenares palavras de Sócrates: Conheça a ti mesmo.

Se no fim de sua jornada interna a mais valia for prejudicial ao preço, prometo dar-lhes a rídicula ignorância de volta.

Araraquara, segunda Feira, 29 de Outubro de 2007.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

.. uma idéia alejada

"Dizem as lendas que há em um mundo qualquer um homem incapaz de usar máscaras, sendo apenas ele mesmo."

Não tenho a data com precisão, preciso checar em meus sistemas, para saber com exatidão quando conheci a personagem que me marcaria como nunca: o mestre de cerimônias desse espaço, o Doutor Gregory House.

Em comemoração a um ano que conheço a personagem, pretendo reunir até lá tudo que aprendi com ele. Em uma análise literária sobre o que as personagens, meras personagens, são capazes de produzir em nós.

Há um ano conheço Greg House, mas é como se ele fosse um amigo antigo, que só agora descobri seu brilho.


domingo, 16 de setembro de 2007

As Profecias

Uma frase atribuída a Antônio Conselheiro - líder espiritual da Guerra de Canudos - dizia que "um dia o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão". Uma profecia sertaneja que, na verdade, é anterior a figura histórica do conselheiro.

A lei da conversão de massas do químico Lavosier foi capaz de comprovar que "na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma".

E nessa força estática transformadora do mar - imenso e calmo ou sufocante a outros - em sertão - que não deixo de imaginar como potência aterradora de dor, sofrimento e cansaço - que foco minha reflexão.

O tempo, no qual não faltam palavras para representá-lo. "O tempo que transforma o amor em quase nada" (Detalhes, Roberto Carlos). Ou em futuros amantes que para Chico Buarque se "amarão com o amor que um dia eu deixei pra você" (Futuros Amantes, Chico Buarque).

Heráclito, filósofo pré-socrático, diz que tudo flui, nada permanece o mesmo e não podemos entrar duas vezes na mesma corrente de um rio. E as palavras desses sábios me arrebatam de tal forma, que me silencio para compreende-las. Entender sua violência, na busca pelo motivo de tais palavras me trazerem angústia.

Na imagem composta pela profecia sertaneja, vejo os mares que outrora naveguei. Saboreando na memória o apreço de nadar em mares desconhecidos, com a sensação invisível aos olhos de que ele secava-se pouco a pouco. Sei que um dia outro homem atravessará esse caminho e encontrará um solo duro, cravejado pelo sol. Ou ainda arrisco-me a dizer que sentirá nos pés, nas ranhuras do solo, um leve fio d´agua perene.

Somos incapazes de ver a transformação temporal por estarmos com os pés fixos na terra. Nunca afastados de nós mesmos - visto a impossibilidade de tal ato - para nos observarmos com atenção. E cabe aqui repetir palavras de poetas melhores, Bob Dylan já se perguntou o mesmo certa vez. Afinal, quantas estradas um homem deve percorrer antes que você o chame de homem?

E se esse homem decide percorrer o mundo e, ao voltar ao seu país, não mais o encontra. E se vê apenas em um deserto que sopra um triste som aos seus ouvidos, lembrando-se do rio que outrora lhe banhou. Não havendo mais frutos proibidos para serem seu alimento.

A nós cabe apenas o antes e o depois do disparar do gatilho, nunca o instante, invisível as nossas percepções. Um ato cruel, sei disso.

Estariamos demasiado perto de tantas coisas ao ponto de não vê-las? Dizem que certas obras tem de ser apreciadas a distância, compreendidas não só em seus detalhes, mas em seu todo. E nós, como fazemos para nos vermos sem precisar de um reflexo?

Sem nos vermos com sangue nas mãos, sem saber o que fizemos. Não por falta de lucidez, mas pelo fato inevitável de que nunca podemos ver o moldar dessas transformações. E quando podemos notar, aconteceram.

Sábado, 15 de Setembro de 2007

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Coletivo Literário

Dizem que dois é melhor do que apenas um humano solitário. Mas se três já é demais, quatro talvez extrapole os números cabalísticos, ou seja uma boa unidade. Se antes eu já me aventurei em blog coletivo formado por duas contrapartes, dessa vez adicionei mais um elemento nesse caldo único de disparidades, diferenças e estilos alternados. Foi assim que nasceu o blog coletivo Quatro Patacas.

Inserido em um conceito próprio de uma grandiosa ironia, onde tudo não confirma se é real ou simulado, nossa intenção é produzir semanalmente textos inéditos, a procura de leitores que percam seu precioso tempo colhendo nossas linhas.

A cada dois dias um dos escritores apresenta um texto novo. Assim cada pataca tem como "prazo" sete dias para compor sua ficção, ensaio, panfletagem ou receita de bolo. Todos textos inéditos, criados exclusivamente para o projeto.

Nessa idéia temos a razão do exercício, colocar em prática argumentos, fragmentos de histórias, a procura de um novo texto. E quando isso falha, ou ainda quando a vida causa pane geral na composição, pedimos uma apelação ao juiz e usamos um texto antigo, ou ainda uma necessária pausa.

Todos os autores trabalham com várias idéias, possíveis histórias a serem contadas. Porém muitas vezes chega o dia de lançar um novo texto sem nenhuma idéia germinada. O que lembra Calvino, que disse que não há literatura sem a pressão dos prazos.

Não que possa duvidar do grande Calvino, mas sou um autor que trabalha lentamente. Há um poema de Drummond, que minha memória não se recorda, cujos versos dizem que o poeta precisa conviver com seus poemas antes de fazê-los. Essa idéia casa-se com a minha, já que guardo ansioso o crescimento de certas histórias. Aguardando que elas saiam de seu risco inicial, para desenvolverem meio e fim. Serem plausíveis de narração e possíveis para minha pequena aptidão em escrever. Sob pressão, ainda tenho dificuldades.

Sempre fui mais poeta inspiração do que artesão. Rabisco contos e não os finalizo pela preguiça de sentar em frente ao desafio e enfrentá-lo. Há certos contos que precisam de confronto com seu autor, e ele só consegue a vitória quando, ao menos, não está descontente com o produto final.

Meu lado artesão é preguiçoso, talhou muito pouco nesse anos. Sempre conta uma história, as vezes sem se preocupar em fechar suas pontas, e corre de novo para a rede para outra soneca.

Estou no aprendizado de conviver com os textos ainda não feitos, evitando a preguiça para talha-los quando necessário (e sempre é necessário) e também evitando atrasos, pois textos também quando muito maduros, passam do prazo de validade e vão se estragando, pouco a pouco, nas idéias do autor.

Daqui um ano posso prever que dentro do Quatro Patacas alguns textos terão o mesmo frescor de quando escritos, e outros parecerão mal formados, quasímodos, esperando um retoque ou o lixo. Mesmo que hoje nos dediquemos ao máximo para produzi-los, talhando-os, reescrevendo-os, brigando covardemente com a língua da poesia, na procura pelas melhores palavras.

Semanalmente fazemos um exercício de nossa arte, construíndo a base de nossa literatura. Ainda que alguns já possuam muitas ficções, ou poesias, ou ainda especificamente, uma série literária despretenciosamente engraçada sobre o elogío da picaretagem.

Escrever com a promessa de criar sempre um novo repertório não me faz voltar a velha forma (forma na qual não quero mais, aliás), mas sim adquirir uma nova maneira de composição. Ou, no termo metafórico mais simples possível, avançar um degrau na dificil compreensão de o que é fazer literatura, em um país onde não há letrados, onde "O Segredo" é o livro mais vendido, e procurar leitores em um mundo virtual é tão dificil (se não mais) quanto arranjar um bom emprego.

Araraquara, quarta-feira, 29 de Agosto de 2007.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Tristeza Senhora

"só faz milagres quem crê que faz milagres
como transformar lágrima em canção"
(Zeca Baleiro, in "Blues do Elevador")

Se fosse a tristeza um problema gástrico, eu tomaria remédios, ou no caso de uma indigestão, em uma técnica mais agressiva, induziria o que comi a sair. Mas a tristeza é abstração inanimada, verme que corrói. Está em mim como cicatriz corrosiva, sem que eu saiba o porquê.

Acabo de reler um texto de minha autoria, texto romântico que não deixo de apreciar. Mesmo que sua narrativa seja irrisória, as metáforas e a imagem do mar são tão belas que até mesmo eu, seu ator, se engana ao lê-lo.

Dei-lhe como nome "Além-Mar" para fugir da alusão que comumente faço do mar. Em minha literatura, transformei o mar em um amor que tive. Alusões são notórias em certos autores, que possuem fixação por certas cenas ou temáticas.

Esse texto foge dessa temática marítima, embora a maior parte de sua narração se passe em um náufrago. Seus personagens são outros daqueles que sempre retrato, e mesmo hoje, um ano e meio depois, o texto me cativa.

Infelizmente tenho a mania ruim de, as vezes, basear minha vida para minha produção. Com o tempo o que me sobra são apenas belos textos, já que o resto sempre é levado pelo vento, ao pó.

O que despertou-me motivo para a análise, foi a relação de mim, minha obra e a senhora tristeza. A presença constante de personagens sutilmente abaladas, entristecidas, muitas vezes em constraste com o próprio infeliz autor.

A tristeza enquanto não me invade completamente é perfeita para inspirar. Um leve comichão apertando ao coração me inspira boas histórias, e a tristeza momentânea conduz de forma adequada uma ficção. Muitas vezes acabo por entristecer pelo meus personagens, vivendo sua fulgás história de tal forma que, quando finalizo a narrativa, estou cabisbaixo e depressivo. Não sou um grande autor para, esbaldando euforia, descrever e contar a história de um homem que perdera um grande amigo, ou um velho amor.

Porém, quando a tristeza avança caminhos mais longos, tornando-se apenas corrosiva, a inspiração não mais surge. Só punge uma dor, a dor real, minha, não de meus personagens. É sinal que não é minha literatura que caminha triste e sim seu próprio autor. E nesse caso não produzo nada. Não vivo. Crio uma subvida para prosseguir com os afazeres sem arricar suicídios ou drogas que cessassem minhas sensações.

Nessas horas tenho tendências de iniciar textos, em uma tentativa vã de produzir minha dor real no papel, mas não chego a terminá-los. Suas palavras saltam da tela como uma mentira, como se eu maquiasse minha tristeza nesse papel, sendo que, na realidade, quero apenas me ver livre do que me machuca. A tristeza do autor vira cansaço físico, não inspiração poética. Assim rabisco o texto, crio outro em primeira pessoa, uma personagem como eu, mas logo concluo que nada disso é salvação. A dor continua constante mesmo após finalizar uma ou dez narrativas.

Então, esqueço as palavras e assumo que estou triste. Que sou triste. Que ao jogar minhas melodias fora, estou a procura de uma nova identidade, a procura de novos sabores e novos acordes que ainda não ouvi. Sofro dessa ansiedade, querer tudo ao mesmo tempo. E olha que já ouvi reclamações por minha habilidade de ser múltiplo. Mas danem-se, não me contento em ser apenas um.

Porém, ser vários é cansativo. São deveras paixões ao mesmo tempo, muitos amores, a dor é multiplicada em vários decimais, não cabe em apenas um coração aguentar essa dor. Por isso que parte dela vira literatura e outra parte não, fica estagnada na própria alma do autor. É só tristeza, puro malte.

Seria maravilhoso se os autores perdessem suas dores ao deixarem-na no papel, mas talvez essa afirmação seja apenas um bom argumento literário. Na vida não podemos nos dar ao luxo de brincar de fantástico.

Quando a dor barra as idéias, não há porque escrever. Me torno um escritor fracassado, que olha para suas mãos - um de seus instrumentos - e se sente impotente, por algo entre suas idéias e suas mãos lhe causarem um bloqueio. Serem o ópio que tira a razão, a vida, e não um vício doentil impossível de ser curado.

Não sei meu diagnóstico, mas sinto que estou falso, sendo um simulacro do que não quero mais. Fingindo sentimentos, simulando cordialidade quando o que quero é gritar até ficar rouco. A procura de uma visão além, que mostrasse um caminho que eu não vira antes. O que não me deixa de lembrar da revelação transcedental que teve Sidarta, e acabo rindo dessa comparação.

Talvez se meu eu escritor fosse autor de minha vida pessoal, em poucas linhas eu resolvesse todo o novelo que perdeu sua razão. Cortaria personagens, uniria certos sentimentos em uma linha mais densa, apararia arestas desnecessárias e colocaria fim a certos capítulos intermináveis.

A vida poderia ser um jogo, onde vez ou outra optariamos por voltar atrás ou reviver o momento e fazer diferente. Mas não, hoje não há porque escrever. Não sou o tipo de autor que faz de qualquer tristeza a matéria bruta, não quando o corte se deu além da conta. Nesse caso, sento me na penumbra, por gosto e pela beleza da cena, e agonizo, sem poesia alguma.

Terça-Feira, 22 de Agosto de 2007.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Novo

Gosto de recomeçar. Em minha pequena produção literária, me lembro de precisamente quatro ou cinco textos a respeito de um recomeço. Gosto da sensação do novo, como um pacote esperado que chega de manhã em um dia qualquer. Tenho encanto em descrever essa sensação incomum de começar de novo.

É um ritual sagrado, sinto-me como minha personagem. Planejo uma cena que será o início de uma história, nova página para ser vivida ou borrada. Dessa forma não deixo os cadernos envelhecerem.

Se posso fazer uma estranha confissão, gosto de cadernos. Sempre compro novos após meses e carrego-os comigo até cansar. Sejam eles de bolso para pequenas anotações ou comuns.

No início faço anotações, escrevo idéias, arrisco pequenos contos, mas aos poucos deixo de lado. Na verdade, gosto da idéia de ter cadernos, possuir um papel a mão. Talvez pela visão pueril dos escritores e, por outro lado, porque idéias surgem ao acaso, em palavras, cenas, qualquer lugar.

Imagens que nos deslocam em idéias, idéias que conduzem palavras, palavras que formam frases em nossa cabeça, onde nasce o fio de uma história. E dessa mesma forma cíclica, o gosto pelo recomeço, recordo de meus primórdios, quando me auto denominei escritor.

Minha pré-história se inicia em duas crônicas escolares. Talvez ainda as tenha em velhos arquivos de computador, mas afirmo com razão que elas não possuem rigor ou riqueza em sua escrita.

Além dessas palavras primordiais, minha primeira história oficial chama-se "Monique", uma bobagem que se equipara aos livros de bolso vendidos em bancas.

Foi em 2000 que comecei a escrever, finalizando textos e entregando aos amigos, ansioso por uma leitura. Fazendo a matemática, seriam sete anos de palavras e histórias. Porém, suspiro, em minha biografia oficial considero 2002 como o ano primeiro. Até hoje algumas narrativas daquela época ainda funcionam e, se não excelentes, são boas obras de ficção.

Tive bloqueios nesses cinco anos, embora momentaneamente me esqueça dos motivos. Minha intuição afirma sem pensar que o culpado fora meu lado emotivo.

Meu último bloqueio fora o mais longo até então. Um ano produzindo textos esparsos, sem significado, na esperança de uma resposta, um caminho. Deixei que sentimentos de outros me conduzissem para um lugar onde não mais encontro, fiquei perdido em minhas palavras.

Mas aos poucos fiz um novo caminho. O que mas temi, e temo, em minha produção, é seu constante repetir: palavras iguais, mesmos simbolos e alegorias. Repetir sempre me incomodou, fora ele que me fizera parar a procura de uma resposta celestial.

Como escriturário estou feliz com o recomeço. Aos poucos encontro uma nova maneira de compor, sem o sabor viciado de velharias. Amadureci, e não nego o quanto o progresso me satisfaz.

Por isso me apraz o recomeço, uma sala vazia a espera de móveis. O novo é a idéia de que tudo pode ser diferente, a potência das possibilidades provoca excitação. E falando em literatura, um papel em branco pode ser tudo, menos continuar miseravelmente nú como nasceu.

Araraquara, terça-feira, 14 de Agosto de 2007.

terça-feira, 10 de julho de 2007

Cui Prodest?

Ontem dormi nas escadarias de minha casa ao fumar um cigarro com meus pensamentos. E quando vi, os pássaros me incomodavam com seus sons e a claridade machucava meus olhos, mesmo fechados. Ao mexer meu corpo, notei o quanto estava dolorido. Dormir apoiado à parede, no sereno de quase mais um inverno, não é inspirador.

Me levanto, tiro o pó de minhas roupas e volto lentamente para a casa. Sentindo gradativamente seu calor. Preciso de um banho, pensei. Mas mesmo após despertado, já estou cansado demais.

Abro as portas até a cozinha, deixo-as abertas. Tomo um copo d´água, depois outro e mais metade de um. Penso que, se a água não possui sabor nenhum, não deveríamos não sentir gosto algum? Sinto um gosto, só não consigo defini-lo.

Vou para meu quarto, acendo a luz, tiro o livro da cabeceira e abro na página marcada. Faço contas, mais ou menos há um mês o livro não sai do lugar. Não quero lê-lo mesmo querendo saber o final. Nos últimos meses esse é o quarto ou quinto que sofre esse problema.

Saio do quarto, as portas abertas trazem frio ao interior da casa. Tanto faz, penso. Pego uma folha de papel, caneta, escrevo uma frase: “Quem se beneficia?”. É estranho que apenas com essa frase eu já fora capaz de escrever.

É o que gostava de fazer. Escrever da forma que me satisfizesse, buscando algo singular, conquistando poucos leitores.

Grifo a frase que escrevi, um risco torto a lápis, “Quem se beneficia?”, penso sobre ela. Conto nos dedos da mão e somavam-se aproximadamente um ano e meio que não havia histórias que contei.

Se for uma crise, dura demais. Se quero, concluo, o que me impede? Escrevo a mesma frase na borda da página, “Quem se beneficia?”, penso. E rio, por achar que há um vilão que ganhasse lucros com minha vida doente, acordando nas escadarias da casa.

O vilão sou eu, sei disso. Mas, se sei, o que me impede de continuar? É medo de se manter igual. Levantei-me, fui à biblioteca, procurei o que já escrevi. Centenas de textos ruins, cartas de amor que nunca mandei, cartas de amor enviadas a destinatárias que não merecem nada, se não a infelicidade. Todo amor termina em cinismo, ri de mim mesmo nessa hora.

Preciso de um banho, porque não tomei quando acordei? O corpo coça, exala um cheiro que não me acostumei, mesmo com a idade.

Espalho os textos no chão, leio-os um a um. Não. Tudo é igual. Palavras repetidas infinitamente, verbos iguais, construções lexicais idênticas. Tudo que escrevi era uma segunda construção de mim. De minhas tristezas, de amores não possíveis pela minha esquizofrenia, ou pela loucura das meretrizes. Não. Eu sei até que ponto enlouqueci de verdade, e até o momento que fingi pelo romantismo.

Estou de pé vendo os papéis no chão. Penso em um gigante vendo o mundo de cima. Tudo está errado, e não consigo descobrir o porque. “Quem se beneficia?”, não. Era ridículo supor que havia vigias, homens de dedos gordos e poderes naturais.

Não. Coloco as mãos nas têmporas. Encontre a razão nisso tudo, pensei, repetindo a mesma frase, como a decorá-la. E aconteceu. Eu vi. A primeira vez que escrevi, as histórias que se seguiram desde então, amigos, amantes, pecados, dores que nunca somem e voltam, velhos bumerangues, minha loucura e o desejo de perder tudo para não ter nada. Estar vazio de si mesmo a ponto de não se reconhecer. Sim.

Sim. Consegui o que queria. Matei a figura de dentro de meus sonhos, não houve sobrevivente. Matei a mim mesmo.

Corro ao papel, escrevo meu nome por extenso embaixo da frase. Eu fui o beneficiário de meu crime. Investiguei sempre a mim e conclui no passado que a única forma de viver livre era cometendo um assassinato. Deixando tudo que se é para trás. Silêncio. Não havia motivo para matar a si mesmo, exceto por não gostar de quem se é.

Coço minha cabeça, a sujeira incomoda, não havia beneficiário. Não. Errei em meus próprios planos? Sabotei a mim mesmo ou homens estão me observando? Controle-se, não há nada de errado. Não escreva palavras que você conhece apenas pelo vício. Foque em um objeto, deixe fluir os pensamentos. Não. Eles são errados, a vida é. Quem se beneficia?

Pausa. Para dividir o silêncio com minhas dúvidas. Sei porque não escrevi mais. Não há mais eu. Livre de opiniões quando enforquei a mim, nessa sala. Eu lembro. Entre o natal passado e o último verão. Lembro do quanto agonizei. Esqueci de refazer-me. Cometi um crime sem dar a ninguém seu benefício.

...

Quatro horas mais tarde termino meus pensamentos. Garganta seca, me sinto doente, nada mais. Não há uma frase de efeito para finalizar as palavras. Assim, dou as costas e vou ao banho.

Araraquara, terça feira, 10 de Julho de 2007.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

O Que Dr. House Diria?

Acho curioso como todos usam a abstração da vida para jogar todas as culpas para ela, sem deixar que você seja o culpado por seus próprios erros. Fazendo conspirações maiores, traçando rotas de que aqui não foi uma decisão sua, e sim do destino. Que as coisas não eram para ser, simplesmente não eram para ser. Aceitando uma condição puramente fictícia da realidade.


Quanto tempo você demora de manhã na frente do espelho escrevendo seu papel? Quanto tempo você planeja suas falas e as coloca na ponta da língua? Há tempos você não é você. É uma personagem, porque assim é a maneira que você gosta que os outros te vejam. Porque seu sonho é ser famoso e ser um vilão de uma novela global.


Você se devora em tristeza, mas quando pede as respostas, todas as pessoas que lhe trazem caminhos são colocados para fora do seu caminho. Ninguém gosta de ser acusado de falso, mentiroso, mesquinho.


Pois adivinhem, eu sei o ator que corre nessas veias porque dia e noite eu luto para ele não sair. Para ele não planejar quando entrará em cena, pois quero ainda ser eu mesmo. Todas as minhas palavras, até as mais doces, possuem pequenos espinhos, que se mastigados servem para causar dor. Mesmo a mim.


Eu fui vil, meu senhores. Eu já menti demais nessa vida para achar que tenho tempo de fazer conjecturas, eu uso as afirmações porque agora é o que me convém.


Adianta, afinal? Fazer-se de vítima de si mesmo, um drama eterno que eu sei que você atua, porque você sente prazer em ser miserável. E mesmo que você me peça respostas, seu ódio por mim será maior se eu te disser o que realmente penso. Mas se querem saber de mim, eu não escondo o quão ridiculo sou em toda minha existência, o quão babaca e o quão egoísta. Eu aprendi que as mentiras podem ser saborosas, mas nada é mais pungente que uma verdade. Que a maldita verdade em cartaz.


Você não nasceu para ter nada que realmente valesse, das rosas você só merece o espinho. Você não nasceu para ser amado, você nasceu para ser prostituido, um cigarro que se fuma pelo prazer rápido.


Você vai se fingir de valente, fingir-se de forte, porque dentro de sua histeria, ser fraco é um defeito. Não aquilo que te faz humano.


Seu mundo são as paredes da sua cegueira porque você quis deixa-lo vazio, porque se nem você mesmo pode se salvar, nem um cristo poderá intervir.


Enquanto isso do alto do castelo mais alto, na torre mais alta, as mulheres sonham com os principes que chegam a qualquer momento. E você ou é o cavaleiro que abre as portas da masmorra ou a donzela inexistente desse conto de horror.


Você é uma mentira, porque é assim que você quer. E assim tudo que passar por você, será transformado na mentira que você quer acreditar. Minhas mãos estão limpas dessa vez... Porque sei que nessa traição, eu não recebi nenhuma moeda de prata. Foi sua loucura que me chamou de Judas.


Preste atenção, e eu estou falando com você. Enquanto você continuar sendo um maldito boneco de si mesmo, sua vida continuará incompleta. Quando eu te vejo só posso observar um jogo, onde você mesmo tenta te dar o xeque mate.


Sábado, 30 de Junho de 2007.