sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Na Multidão, Luiz Alfredo Garcia-Roza

"Com uma das mãos, a mulher pressionava a bolsa contra o peito enquanto com a outra segurava um pedaço de papel que consultava repetidamente. O painel luminoso localizado acima dos guichês da agência da Caixa Econômica indicava dois números: um correspondia à senha e outro indicava o guichê de atendimento. Fazia mais de uma hora que ela estava sentada em meio a dezenas de outros aposentados e pensionistas esperando ser atendida. Sabia que se deixasse passar seu número teria que retirar nova senha (acontecera no mês anterior, quando se ausentara para ir ao banheiro). "


Autor: Luiz Alfredo Garcia-Roza
Editora: Cia Das Letras
184 pag.



O nascimento do Delegado Espinosa data de 1996. Ano de lançamento de O Silêncio da Chuva, do psicanalista Luiz Alfredo Garcia-Roza. Mesmo recente no panteão de personagens da literatura brasileira, seu nome já figurou em listas que apontavam nossas melhores personagens.

A inclusão do delegado nessa lista não causa espanto. O detetive de Garcia–Roza foi desenvolvido com cuidado genuíno. Além de bem caracterizado no esteriótipo de um policial, há uma indefectível originalidade brasileira. Um homem pacato com a mesma rotina semanal, sem arroubos de criatividade, incomodado se precisar pegar em uma arma, cujo poderio principal é a mentalidade.

Publicado em 2007, Na Multidão é o sétimo livro a apresentar o delegado como sua personagem central. Em relação aos romances anteriores é a trama mais enxuta. Enredo apresentado de maneira simples, direta ao caso, sem rodeios. Diferenciado-se do estilo tradicional do suspense que desenvolve amplamente a ambientação em primeira estância, depois os crimes.

Mais que ser a personagem central, é a própria lembrança de Espinosa que é posta em xeque. A trama desenvolve-se entre um crime atual que pode ter ligações com o passado memorial do detetive. Um reencontro com as lembranças de infância situadas em um limbo.

A narrativa é a que mais se aproxima da formação inicial do autor. A infância do delegado tem laços em comum com um suspeito, aproximando-os como um reflexo oposto no espelho. Não só essa característica envereda pela análise psicológica como uma cena entre as personagens simula o trabalho terapeutico do diálogo em busca de um significado.

A ação da trama fica em segundo plano para que se compreenda as motivações, em destaque para a importancia do caso para o próprio delegado. Para isso, a inteligencia investigativa de Espinosa trabalha dentro de si. Resultando no livro mais íntimo para a personagem.

Diante de um cenário policial brasileiro um tanto desolado – ou composto por narrativas que corropem a base do gênero, perpetuados por Rubem Fonseca – Luiz Alfredo Garcia–Roza é uma voz que trabalha com a tradição e dela traz sua originalidade.

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